“ Embora nos tempos antigos os maçons fossem obrigados, em cada País, a ser da Religião, qualquer que ela fosse, desse País ou Nação, julga-se agora mais conveniente obrigá-los apenas àquela Religião com a qual todos os Homens concordam, deixando a cada um a sua opinião particular, isto é, serem Homens bons e verdadeiros, ou Homens de Honra e Honestidade, quaisquer que sejam as denominações ou crenças que os possam distinguir.”
As Constituições dos Franco-Maçons, 1723
O Grande Oriente Lusitano – Maçonaria Portuguesa, através da sua associação profano “Grémio Lusitano”, decidiu organizar de 4 a 6 de Maio de 2007, um Encontro Internacional subordinado ao tema Religiões, Violência e Razão.
Num mundo dramaticamente marcado por práticas de violência guerreira e mesmo terrorista, exercidas em nome de crenças de natureza religiosa entrecruzadas com objectivos de natureza política, e num tempo em que o racionalismo humanista herdado das Luzes sofre o assédio do relativismo pós-moderno, impõe-se, com efeito, uma reflexão aprofundada sobre um conjunto de questões que preocupam sobremaneira crentes e não crentes, profanos e maçons.
As ondas de choque provocadas pela publicação de cartoons alegadamente ofensivos do profeta Maomé, o discurso do Papa Bento XVI, em Ratisbona (Alemanha), interpretado como uma denúncia da incapacidade do Islão em operar a aliança entre fé e razão para mais facilmente aliar aquela à violência, a suspensão inicial da ópera Idomeneu de Mozart, em Berlim, por receio de reacções terroristas islâmicas, foram outros tantos episódios recentes, que vieram chamar a atenção da opinião pública para a delicadeza e gravidade da problemática das relações entre as diversas religiões e delas com o recurso a práticas violentas em prejuízo dos valores da modernidade humanista e racionalista. Ao mesmo tempo, o projecto de uma Aliança de Civilizações, preconizado pelos primeiros-ministros espanhol e turco, parece abrir uma via de diálogo e entendimento para a construção de um mundo mais pacífico e justo.
Num tal contexto, há todo um conjunto de questões que se levantam a todos os “Homens bons e verdadeiros”, empenhados, independentemente das respectivas crenças e opiniões filosóficas, na defesa dos direitos humanos e na promoção da paz. São essas questões que gostaríamos de ver debatidas, num clima de diálogo, neste Encontro Internacional a realizar em Lisboa, para o qual convidamos maçons, não crentes e crentes de diferentes religiões e nacionalidades.
Num primeiro painel, reflectiremos sobre os grandes aparentes paradoxos que se levantam neste dealbar do século XXI, num mundo onde a globalização financeira e tecnológica contrasta com a afirmação de particularismos religiosos e culturais. Um tempo marcado tanto pelo “regresso do religioso”, tão visível em particular no mundo muçulmano, mas também em certas manifestações de outras religiões como, sobretudo no mundo ocidental, pela “morte de Deus” numa civilização cada vez mais subjugada aos valores do materialismo consumista mas onde, por outro lado, a razão e os indivíduos se pretendem cada vez mais libertos da autoridade das fés religiosas. Que lugar neste tempo para as espiritualidades não religiosas e para a Maçonaria em particular? E como promover o diálogo entre todas as crenças, estabelecendo as bases de uma verdadeira aliança de civilizações marcadas por itinerários histórico-culturais tão diferentes? Eis algumas questões que gostaríamos de ver aqui respondidas.
Num segundo painel, procuraremos equacionar mais especificamente a questão das motivações político-religiosas da violência, da guerra e do terrorismo, em alguns dos conflitos actualmente em curso. Em que medida, hoje e no passado, as religiões são fautoras de violência? É o poder político que manipula os sentimentos religiosos ao serviço dos seus objectivos ou é a religião que se serve do poder político para se impor como verdade única e absoluta? Ou ambas as teses têm a sua parte de validade?
Num terceiro painel, debruçar-nos-emos sobre o posicionamento das religiões e da maçonaria perante, por um lado, os valores da modernidade, centrados no culto da razão livre, crítica e universal como fundamento de uma única ética dos direitos humanos plasmada na respectiva Declaração Universal aprovada pela ONU, e perante, por outro lado, a ofensiva do novo irracionalismo relativista pós-moderno facilitada pela crise das ideologias seculares. A superação dos chamados choques de civilizações e de religiões não implica necessariamente uma recentragem comum nos valores humanistas da modernidade? Qual a possibilidade e a legitimidade de uma ética universal que se sobreponha aos particularismos ético-religiosos, no respeito pelos princípios da laicidade, da liberdade religiosa e da liberdade de expressão e crítica, incluindo o direito à blasfémia? Como pode a fé religiosa respeitar os direitos da razão? Pode ou não haver pleno exercício da razão sem recorrer à fé e plena vivência da fé contra ou sem a intervenção da razão? Terá a razão de estar subordinada à fé sem o direito de se autolimitar ao empiricamente verificável? Haverá religiões condenadas a ignorarem a razão e a modernidade e outras vocacionadas para as integrarem? Eis outras tantas interrogações a pedirem respostas urgentes e susceptíveis de nos orientarem no desbravamento dos caminhos da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.
TEMAS A DEBATER
1. As Religiões e a Maçonaria no Século XXI
- “Regresso do religioso” e/ou a “Morte de Deus”?
- Que lugar para as Espiritualidades não Religiosas e, em particular, para a Maçonaria?
- A Maçonaria perante as Religiões e as Religiões perante a Maçonaria.
- Choque de Civilizações e Religiões ou Aliança de Civilizações e Diálogo inter-religioso?
2. As Religiões e a Violência
- É a violência inerente ao fenómeno religioso enquanto crença na posse de uma verdade superior e absoluta?
- Religiões, Poder Político e Violência: quem instrumentaliza quem? Guerra, Terrorismo e Conflitos Religiosos
3. As Religiões, a Maçonaria e a Razão
- As Religiões e a Maçonaria perante a Modernidade, a Crise das Ideologias Seculares e a Pós-Modernidade
- Ética Universal, Liberdade Religiosa, Laicidade e Liberdade de Expressão e Crítica, incluindo o Direito à Blasfémia
- Razão e Fé: Mútua Implicação ou Mútua Exclusão?