Por: EUGENIO TSCHELAKOW
Esta matéria está dedicada à memória de René Guénon (1886-1951).
O czar Alexandre I, maçom, havendo liderado a heróica gesta empreendida contra o seu irmão maçônico Napoleão I,1 a quem derrotou com o exército conduzido pelo marechal de campo Mikhail Kutuzov, também eminente franco-maçom, com base em um relatório sobre as atividades dos maçons russos elaborado pelo tenente general e senador Igor Kushelev (Grão-Mestre Adjunto da Grande Loja Maçônica Ástrea), decidiu proibir a Maçonaria na Rússia mediante o “ukase” de 1° de agosto de 1822, perante a surpresa geral de todo o mundo. O que foi que aconteceu até lá?
A maçonaria contemporânea nasceu no dia de São João (24 de junho) de 1717 no salão de refeições da Taberna O Ganso Grelhado instalado no primeiro andar da Catedral de São Paulo em Londres, quando quatro Lojas decidiram vir a público para constituir a Grande Loja de Londres, décadas depois da Inglaterra.
Vamos destacar algumas caraterísticas desse processo, já que se refletiriam posteriormente no desenvolvimento da maçonaria russa.
a) A Ordem (Instituição, Ciência ou Sociedade) como também é conhecida a Maçonaria entre os maçons, obviamente já existia antes de 1717. Assim, alguns historiadores afirmam que o imperador russo Pedro I “O Grande” foi iniciado na maçonaria, antes dessa data, pelo arquiteto Christopher Wren, restaurador da citada Catedral londrinense. Outros, dizem que o seu ingresso foi num navio militar inglês, o que era muito comum na época. Conforme afirma o escritor inglês Jasper Ridley (que não é maçom) Pedro I, após a sua volta a Rússia em 1698, mandou o seu ministro de confiança, o suíço François Lefort, que fundasse a primeira loja maçônica russa em São Petesburgo e que se fizesse Mestre dela.
b) As Constituições Maçônicas de 1723, redigidas pelo reverendo James Anderson e aprovadas pela Grande Loja da Inglaterra, estabeleceram as normas e diretrizes da Instituição que vigoram ainda hoje, quais são:
– “Um maçom nunca será um ateu estúpido, nem tampouco um libertino irreligioso”. Conseqüentemente deve acreditar em Deus e na imortalidade da alma. A maçonaria russa sempre foi, e atualmente também o é, profundamente religiosa, como prova o fato de que o metropolita Filareto, certamente a personalidade moral, intelectual e espiritual mais importante que tenha dado o alto clero russo, militou ativamente na Ordem, como veremos mais adiante.
– “As discussões de ordem religiosa secttária e política partidária estão rigorosamente proibidas em Loja... Um maçom nunca deverá se envolver em motins e conspirações contra a paz e bem-estar das nações”. Desde sua funddação, a Grande Loja da Inglaterra foi dirigida pelo mais alto nível da Coroa Britânica, fato que se mantém até os nossos dias, sendo o atual Grão-Mestre o Duque de Kent. Este exemplo se repassaria para a toda a aristocracia européia, como por exemplo: o rei da Prússia Frederico II O Grande, considerado Grão-Mestre e Protetor universal da Maçonaria; o imperador do Brasil Dom Pedro I; o rei da Suécia quem, até hoje, é o presidente da Maçonaria Sueca; Napoleão I e todos os seus irmãos; Fernando II rei do Portugal; Leopoldo I rei da Bélgica; os reis da Itália Vítor Manuel II e Vítor Manuel III; Estanislao Poniatovsky rei da Polônia; e outros. Escreve Jean Palou que existiriam evidências de que o rei Luís XVI (guilhotinado durante a Revolução Francesa) e seus irmãos, futuros reis Carlos X e Luís XVIII foram recebidos franco-maçons na Loja “Les Frères Unis”, constituída “ad-hoc” em Versalhes. No continente americano, sem nobres, porém ocupando o mais alto nível sócio econômico e político, destacados maçons tais quais George Washington, Benjamin Franklin, Francisco Miranda, Bolívar, San Martin, O’ Higgins, Artigas, José Bonifácio de Andrade e Silva, Joaquim Gonçalves Ledo, Padre Hidalgo, Benito Juarez e José Martí, participaram ativamente da construção dos seus países. A Rússia não podia ficar à parte dessa tendência e foi assim como a maioria das elites de São Petesburgo, Kiev e Moscou participaram da Ordem. O historiador Nicolai Riasanovsky, citado por Richard L. Rhoda afirma que durante o reinado de Catarina II “A Grande” chegou-se aos 2.500 membros repartidos em mais de cem lojas de todo o país. Conforme a revista alemã “O Globo” existiam 145 lojas maçônicas no ano 1787, o qual colocava à Rússia dentre as principais potências maçônicas do mundo na época.
– “As Lojas estarão exclusivamente constituídas por homens”. Desde o início do seu reinado Catarina II, que governou Rússia por 34 anos (1762-1796), mantinha uma ativa correspondência com Voltaire e se entusiasmava com os princípios pedagógicos de Rousseau, consentiu o crescimento da maçonaria. Todavia, vários fatos perturbaram esse relacionamento: a aberta simpatia pela Ordem manifestada pelo seu marido e rival Pedro III; o ingresso em 1777 à Instituição -por convite do rei da Suécia Gustavo III - do seu filho e inimigo político o Grande Duque Paulo; a influencia na maçonaria do seu outro inimigo político o rei Frederico “O Grande”; o desmascaramento do pseudomaçom e charlatão Cagliostro numa sessão espírita realizada nos salões do príncipe Gagarin - o que motivou a Catarina escrever três comedias satíricas: “O xamã siberiano”, “O fabulador” e “O alucinado” e finalmente, as maliciosas acusações do abade Barruel no sentido de que a maçonaria teria realizado a Revolução Francesa (o que é absolutamente falso, conforme Castellani, Francisco de Assis Carvalho (Xico Trolha), Palou e outros), influenciaram negativamente no ânimo da imperatriz que, a princípio não proibiu os trabalhos nas Lojas, mas deu a entender aos nobres que já não aprovava que pertencessem a elas.
Porém, o que mais incomodava a Catarina II era que não podia ser membro da Ordem pela sua condição de mulher; fato que também desgostava às demais mulheres importantes da época. Anos mais tarde, a esposa de Napoleão I, Josefina, resolveu o dilema filiando-se a uma Loja de Adoção (de mulheres; considerada irregular pela Grande Loja Unida da Inglaterra o que na verdade não significa absolutamente nada, uma vez que a grande Loja unida da inlgaterra nunca foi a detentora da regularidade maçônica), chegando a presidir em 1805 à Loja Imperial de Franco-Cavaleiros, de Estrasburgo, cuja Grã-Mestra era a Madame de Dietrich, esposa do prefeito da cidade em cuja casa foi cantada a Marselhesa pela primeira vez em 1792. Por outro lado, o embaixador sueco na Rússia, Conde Stedingk, escreveu que “Catarina sentia uma feminina repulsão contra a maçonaria”.
c) Contrariamente ao que supõe a maioria das pessoas, a Maçonaria não é unívoca; isto quer dizer que existem diversas obediências maçônicas, muitas às vezes enfrentando-se entre si e que praticam, por sua vez, distintos rituais durante os seus trabalhos em Loja. Estamos, pois, longe de uma única organização, com um único ritual e sob uma única liderança; por tanto não existe, nem nunca existiu um suposto governo maçônico universal. Estas divisões na Ordem refletiram-se na Inglaterra da segunda metade do século XVIII quando coexistiam duas Potências igualmente regulares: a dos “Modernos” cujo Grão-Mestre era o Duque de Kent (quem mais tarde seria o pai da rainha Vitória) e a dos “Antigos”, à frente da qual estava o Duque de Sussex. Foi em 1813 quando os dois irmãos conseguiram unificar ambas as Obediências, ficando à frente o Duque de Sussex e ocupando o cargo até a sua morte em 1843. Na Rússia a principal influência foi o sistema inglês e o seu maior impulsor foi o senador e conselheiro particular da imperatriz, Ivan P. Yelaguin (1725-1794) que em 28 de fevereiro de 1772 foi eleito Grão-Mestre Provincial do Império Russo (sob os auspícios da Grande Loja da Inglaterra). O seu rival era o “Sistema Zinnendorf” ou sueco, que chegou à Rússia via Berlim através de George Reichell, diretor da Escola Militar e que somente admitia nobres nas suas lojas. Já vimos que a este rito pertenceu o Grande Duque Paulo e teve muita repercussão pelo agregado (além dos três graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre da denominada Maçonaria simbólica ou azul) dos chamados Graus Templários ou Cavaleirescos, de marcantes características místico cristãs.Em 1776 ambas as Obediências se unificaram tomando o nome de Grande Loja Nacional. Deve-se levar em conta que no século XVIII cada um quis forjar o seu próprio sistema maçônico, desde logo incorporando sempre à Maçonaria simbólica (de unicamente três graus), como pode ver-se nos rituais herméticos, cabalísticos e filosóficos e nas Ordens de Cavalaria.
Sem prejuízo do acima escrito sobre Pedro “O Grande”, está documentado que a Maçonaria na Rússia aparece em 1731 quando o capitão John Phillips é designado Grão-Mestre Provincial da Rússia pela Grande Loja de Inglaterra. Em 1740 o mesmo título é outorgado ao futuro marechal prussiano James Keith, quem começou a atrair para a Ordem a jovens oficiais das melhores famílias russas. Um papel de destaque tiveram o professor Johan Eugen Schwarz, diretor do Instituto Pedagógico da Universidade de São Petesburgo e Nicolai I. Novikov (1744-1816), fundador do jornalismo russo.
Ambos homens eram muito ilustrados e não somente trabalharam ativamente a favor da maçonaria como também influíram poderosamente na vida intelectual da sociedade russa. Todavia, isto não impediu que fosse ordenada a prisão de Novikov, o confisco dos bens de Mikhail Kutuzov e a clausura da atividade maçônica em 1794 por ordem imperial.
Quando o czar Paulo I chegou ao poder em 1796, liberou a Novikov e outros maçons, porém oficialmente não revogou a proibição, talvez porque ele tinha se proclamado em 16 de dezembro de 1798 Grão-Mestre da Ordem dos Cavaleiros de Malta, uma ordem que era rival dos altos graus maçônicos Templários. A maçonaria foi autorizada novamente pelo Czar Alexandre I em 1805 por influencia de Ivan Boeber, membro da Academia Imperial de Ciências. Segundo Jasper Ridley, Alexandre I teria dito a Boeber: “O que me conta a respeito dessa Instituição está me sugerindo que não somente outorgue a minha proteção como que inclusive eu próprio deveria solicitar ser admitido entre os franco-maçons”.
Daí em mais, novamente se fundaram numerosas lojas nas quais ingressaram o Grande Duque Constantino (irmão de Alexandre I), o conde Estanislao Potocki, o conde Ivan Vorontzov (Venerável Mestre da Loja do Silêncio na qual também se iniciaram Sumarkov, o príncipe Alexandre de Württemberg, Alexandre Marischkin e outros membros da Corte). À Loja Palestina pertenceu Alexandre Ypsilanti, quem se destacou na luta contra os turcos pela libertação da Grécia.
Também devem mencionar-se neste período o conde Roman Vorezov, tenente general Melissino, príncipe Nicolai Trubetzkoy, príncipe Gagarin, príncipe Dolgorouky, príncipe Golitzin, Nevitzky, Scherbatov, Mamonov e o príncipe Dashkov. O conde Alexandre Suvorov (1729-1800) herói militar que lutou na guerra contra os turcos, foi membro da Loja Aux Trois Etoiles de São Petesburgo e depois da Loja Zu den deir Kronen. O escritor e estadista Alexandre S. Griboyedov (1745-1813) foi membro da Loja Amigos Unidos em 1816. O herói das guerras contra Napoleão I, marechal de campo Mikhail I. Kutuzov (1745-1813) foi iniciado na Loja Zu den deir Schusseln (de Ratisbona); logo foi membro da Loja Trois Drapeux (de Moscou) e depois se filiou à Loja Dying Sphinx (de São Petesburgo), alcançando o sétimo grau do sistema maçônico sueco. Também deve citar-se o famoso compositor Dimitry S. Bortnyansky (1751-1825) autor de muitas músicas tanto religiosas quanto maçônicas.
Setembro de 2006.
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